Texto e fotos de https://www.facebook.com/rumoasantiago
Etapa 1 (dia 1@Geira): Braga – Caldelas
Chegou finalmente o dia de encetar a descoberta de um Caminho que já há muito tempo estava nos planos: o Caminho da Geira e Arrieiros.
Este ano o plano chegou um pouco mais tarde do que o habitual. Normalmente nos dias que seguem o final de um Caminho começo a pensar em qual será o próximo. Contudo, no ano passado o meu Caminho foi tão intenso que duvidei se haveria algum outro Caminho tão único como aquele foi.
Por isso o tempo foi passando até que há pouco mais de um mês comecei o trabalho de campo que gosto sempre de fazer. Entre analisar informação mais técnica do trajeto, até às especificidades da logística (dormidas e afins), decidi que seria finalmente a altura de conhecer este Caminho e também de regressar a casa pelo meu próprio pé (no dia seguinte a chegar a Santiago continuarei a caminhar pelo Caminho Central em direção a Braga – em Ponte de Lima seguirei pelo Caminho de Torres).
Tirando o Caminho de 2017 em que comecei literalmente à porta de minha casa, todos os meus Caminhos têm implicado viajar para longe para iniciar o mesmo. Desta vez o início não foi em casa (esteve quase para ser ), mas foi quase. Como a primeira etapa percorre um trajeto que nunca se afasta muito da zona onde resido, a Sónia (minha esposa) fez-me companhia. Por isso a manhã começou por uma viagem de automóve(is) para deixarmos um carro em Caldelas para facilitar o regresso da Sónia a casa.
Uma viagem de uber depois já estávamos junto à Sé de Braga, onde um grande grupo de ciclistas se preparava para fazer um passeio pelos trilhos que compõem o Caminho da Geira.
Eram cerca de 10 horas quando iniciámos o Caminho. Vamos seguindo as setas amarelas que pacientemente nos fazem descer da cidade até à zona de Real e Dume.
O calor que se fazia sentir era um prenúncio claro de que não obstante o facto de a etapa ser ligeira em dificuldade técnica e física, não ia ser fácil para a Sónia que não lida muito bem com o calor.
Eu já sabia que esta não é propriamente uma etapa de referência daquilo que carateriza o Caminho da Geira, dado que obriga a caminhar em asfalto em praticamente toda a sua extensão.
Na zona de Palmeira, em Braga, vamos vendo com alguma frequência bifurcações do Caminho com indicação do Caminho Minhoto que me levam a crer que evitam um pouco mais a estrada nacional 101, que é horrível em termos de trânsito.
Atravessamos a Ponte do Bico para deixarmos o concelho de Braga para trás e entrar no concelho de Amares (terra do nosso António Variações). Aqui também não é fácil caminhar, dado que os passeios e valetas estão em obras e ou caminhamos no alcatrão sujeitos às tangentes dos automóveis, ou caminhamos na terra solta da zona em obras.
Caminhámos o mais que pudemos sem parar até chegarmos a uma aldeia perto da praia fluvial de Felinhos, em Rendufe. Já tinham passado umas duas horas, pelo que foi o momento perfeito para uma pausa à sombra para comer qualquer coisa e para a Sónia cochilar e recuperar do calor.
Depois do descanso feito, seguimos viagem.
Junto ao mosteiro de Rendufe vimos uma pessoa compenetrada a tirar fotos a um amontoado de pontas de cigarro. Ele meteu conversa e rapidamente se apresentou como ativista ambiental e que aquela foto seguiria para a imprensa, dado que brevemente o mosteiro receberá a visita de um alto representante do Papa. Depressa percebi que se a pessoa era o Carlos Dobreira, um acérrimo ativista ambiental de Braga muito ativo nas redes sociais.
Seguindo viagem pisamos finalmente aquilo que se parece com uma estrada romana, feita de grandes pedras.
Ao longe já vemos o monte de São Fins, pelo que Caldelas já não estava muito longe.
O calor continua a apertar e assim que vemos um café-restaurante em Fiscal, fazemos mais uma paragem técnica para recuperar.
Já poucos quilómetros restam até Caldelas. O corpo refrescado permite manter o ritmo confortável e mal damos por ela, já estamos junto ao albergue de Peregrinos de Caldelas. Por aqui estava o Presidente da Junta, que nos recebe de forma calorosa e que nos presta um compêndio de informação e conselhos sobre o Caminho da Geira que mesmo os mais impreparados não têm como errar.
Por aqui também está o Francisco, que veio da Maia para fazer este Caminho. Com um arranjo de etapas muito semelhante ao meu, tudo indica que terei companhia pelo menos no final das etapas.
Por recomendação fomos ao café Avenida para jantar um belo prego no prato. Como diz o meu amigo Álvaro Lazaga, cavalo vencedor!
Se hoje a etapa foi ligeira, amanhã já será um pouco mais exigente. O destino é Campo do Gerês, pelo que vou finalmente caminhar em trilhos onde a natureza e não o betão é rainha. A ver se o corpo se habitua depressa ao ritmo e à rotina dos dias no Caminho . Para já, enquanto escrevo esta crónica, o povo parece estar a ensaiar marchas populares para as festas que se avizinham, pelo que hoje se calhar a noite não vai ser a mais descansada

Etapa 2 (dia 2@Geira): Caldelas – Campo do Gerês
Alvorada às 6h00 em ponto, para ganhar depressa o ritmo do Caminho. A noite foi de descanso, ainda que o sono leve quer pela emoção de estar no Caminho, quer pelo corpo que sabe o que está para vir, fez com que acordasse algumas vezes.
Ainda tinha alguns mantimentos do dia anterior, que serviram perfeitamente de pequeno almoço.
Faltavam 10 minutos para as 7h00 e já estávamos fora do albergue prontos para iniciar o dia. Cá fora já estavam também alguns trabalhadores da junta, que também madrugaram (não tanto por lazer como nós).
Facto curioso sobre Caldelas: como não encontrei nenhum balde do lixo no albergue, levei comigo o lixo que tinha para deitar nalgum contentor de rua. Não encontrei contentor em lado algum, nem daqueles pequenos que é costume ver nos centros urbanos. Havia vários contentores pequenos à porta das casas, mas são claramente privados e como o conteúdo estava em sacas, não quis usar esses contentores.
Felizmente como hoje parece ser dia de recolha de lixo e como os animais de rua já tinham feito estragos num saco que estava no chão, consegui enfiar o meu lixo num desses sacos
A etapa começa logo em grande, para abrir o apetite. São cerca de 4km sempre a subir, ora em piso de paralelo, ora em terra. Não se trata propriamente de trilhos desconhecidos, dado que uma das minhas rotas habituais de BTT é por estas bandas e reconheci rapidamente os trilhos por onde hoje não pedalei, mas sim caminhei.
Desde o momento em que saímos de Caldelas até ao momento em que horas mais tarde cheguei a Covide, foram poucas as vezes em que me cruzei com civilização. O percurso de hoje é como da noite para o dia por comparação com a etapa de ontem, com o verde da vegetação a impor-se e a floresta frondosa a dar algum abrigo do sol. A água também marca presença constante nesta etapa, com muitos cursos de água que ainda correm ou pelo caminho, ou que o atravessam perpendicularmente criando assim um ou outro desafio de equilíbrio (onde os bastões de caminhada se revelam preciosos para passar como se não fosse nada).
O acordo de cavalheiros entre mim e o Francisco é simples: a conversa é interessante e divertida, mas nenhum de nós tem de se sentir na obrigação de fazer companhia ao longo de todo o percurso. A ideia é que cada um de nós possa caminhar no ritmo que mais gosta, parar onde lhe apetece, sem que o outro tenha ou de dar ao litro, ou de parar quando não tenciona fazê-lo.
A verdade é que o Francisco, que já é um caminheiro experiente, tem pedalada para dar e vender. É muito fácil julgar que uma pessoa aposentada é lenta a caminhar, mas não é definitivamente o caso, tanto que por diversas vezes o Francisco tomou a dianteira.
Faltavam mais ou menos 10km para Campo do Gerês quando encontrei mais um peregrino no Caminho, que estava a descansar à sombra. Trata-se do Peter, um peregrino alemão mas que já vive em Portugal há vários anos (mais concretamente na zona de Aljezur, costa oeste do Algarve) e que já «arranha» bem o português. Ao contrário de nós, ontem ele decidiu alongar a sua primeira etapa até Terras de Bouro, decisão de que já se arrependeu hoje pelo desnível que essa opção obriga.
Diga-se de passagem, se a vossa segunda etapa é semelhante à minha (Caldelas – Campo do Gerês) e não têm nenhum afazer em Terras de Bouro, não há qualquer necessidade de descer até à vila. Vão encontrar no Caminho, um pouco depois de 8km após saírem de Caldelas, uma placa junto a um dos marcos da Geira onde podem ver um gráfico de altimetria com ambas as hipóteses. Vão querer seguir a indicação da Geira (indicada a verde no gráfico).
Quando faltavam 9km para Campo do Gerês reencontrei o Francisco, que já estava pronto para dar um mergulho nas águas gélidas de um ribeiro que por ali corria. Eu segui viagem, dado que queria chegar ao meu destino com tempo para esticar as pernas e descansar um pouco, dado que a pousada da juventude onde vou ficar fica distanciada da povoação, o que significa que a caminhada não terminará aí se quiser ir jantar fora
Cheguei a Covide um pouco antes das 13h00. Por norma passo por aqui de carro quando me dirijo ao PNPG para algum trilho dos que faço na montanha, mas hoje as setas amarelas levaram-me para as pitorescas ruas da aldeia onde podemos inclusivamente ver uma placa alusiva aos 200km que faltam para Santiago de Compostela.
Já só falta um saltinho de cerca de 3km até à pousada de juventude. O trajeto segue essencialmente por asfalto, que é largamente compensado pela vista para a Serra do Gerês. As setas levam-nos temporariamente para carreiros fora de estrada em duas ou três ocasiões para evitarmos caminhar em curvas relativamente perigosas.
Junto ao centro interpretativo restam uns 1300 metros até ao destino. Em vez de seguirmos pela estrada de asfalto que sobe até à pousada, somos novamente convidados a desviar-nos por um carreiro de terra que segue paralelamente à estrada. Nota-se que está um pouco mal tratado pelas intempéries de inverno, pelo que imagino que quem tenha feito o Caminho da Geira há algumas semanas durante o tempo de chuva teve aqui um belo desafio aquático para ultrapassar.
Quando alcançamos novamente o asfalto (junto a uns bungalows elevados de madeira dum alojamento local que aparenta estar desativado), há que virar à esquerda para seguir em direção à pousada. 400 metros depois estou finalmente no destino, onde a menina da receção me recebe com um ar preocupado . Pelos vistos a pousada, que tem mais de 240 camas disponíveis, está completa neste fim de semana. Logo que eu referi que já tinha reserva, suspirou de alívio.
Ainda não eram 14h quando aqui cheguei e depressa fui informado que só poderia ir para o dormitório às 17h00. Por esta altura eu pingava suor e a ideia de um duche adiado desmoralizou um pouco. Felizmente a pousada tem vários espaços de lazer disponíveis e depois de tratar do checkin acabei por encontrar o local perfeito e confortável para tratar da crónica e esticar as pernas.
Por isso não confiem muito no facto de este ser um Caminho com poucos peregrinos (creio que 3 já é acima do normal), como o Caminho passa em muitas zonas de turismo de natureza é normal que o alojamento se esgote com facilidade.
O Francisco haveria de chegar um pouco mais tarde, por volta das 15h30. Ele é definitivamente um homem da água e depressa comentou que tinha ido a banhos no ribeiro que passa por baixo da ponte de Eixões (a uns 700m da pousada).
Com tanta gente na pousada e com poucos restaurantes na aldeia, resolvi também esse tema com a ajuda da menina da receção. Hoje vamos petiscar na Adega Regional da Geira, onde parece que as tapas e boa sopa imperam. O meu amigo Rui Barbosa, guru dos trilhos do PNPG, talvez se junte ao convívio, ou pelo menos fará uma passagem pela adega para um abraço, pelo que o jantar animado está garantido.
Os mantimentos para a próxima etapa estão um pouco em baixo, mas sei que há um mini mercado no Parque Cerdeira (outro local interessante para acomodações nesta zona). O problema é que aviar lá as compras significa uma caminhada de quase 2km desde a pousada, pelo que não estou certo se vai haver coragem de caminhar tanto depois de um banho tomado
Para amanhã o destino é Lobios. Prevê-se uma etapa ímpar em beleza, pois basta saber que os primeiros quilómetros após Campo do Gerês serão pela Mata da Albergaria, um dos ex libris do PNPG. Mais 25km para «torturar» as pernas

Etapa 3 (dia 3@Geira): Campo do Gerês – Lobios
Apesar de me ter deitado bastante cedo ontem à noite, esta ainda não foi aquela noite de sono descansado que gostaria de ter tido. Para além dos ruidos típicos de dormitório, havia um grupo escolar no mesmo edifício que eu que tardou em sossegar (e isto inclui os adultos de serviço, que gritavam instruções ao grupo quando eram perto de 23h).
Ainda assim, eram 5h30 e já estava acordado. Já não preguei olho e apesar de o pequeno almoço estar marcado para as 7h10, resolvi ir-me preparando.
No nosso dormitório estavam mais duas pessoas, um rapaz novo que achou por bem queimar incenso dentro do quarto e um outro que não lhe cheguei a ver o rosto porque quando chegou já todos nós estávamos a descansar. Como já tinha tudo preparado para sair sem fazer grande algazarra, limitei-me a vestir a roupa que deixei pendurada no beliche durante a noite e arrumei o que faltava na mochila no exterior do edifício (a cordelete que trago sempre comigo tem dado imenso jeito).
Cá fora já estavam alguns caminheiros, ou praticantes de trail, a prepararem-se para sair. A pousada estava cheia e imagino que uma boa parte das pessoas por aqui sejam praticantes de desporto de montanha.
Assim como quem não quer a coisa fomos indo para a zona de refeições da pousada. O refeitório estava fechado, pelo que fomos até à receção para esperar pela hora combinada. O sr José, que estava de serviço na receção àquela hora, depressa nos disse que nos abriria a porta do refeitório, pois o padeiro já teria trazido o pão fresco.
Inicialmente com uma atitude meio militarista, não demorou muito tempo até mostrar a sua personalidade descontraída e animada. Contou-nos que apesar de ser da terra, passou mais de duas décadas a dar voltas ao mundo enquanto empregado de mesa em navios de cruzeiro.
O pequeno almoço por ali é bastante farto. Tirando o pão que é racionado (2 pães por pessoa), tudo o resto está à disposição. Fiambre, queijo, cereais, leite, sumo, manteiga, fruta, entre muitos outras opções enchem rapidamente o tabuleiro para um pequeno almoço reforçado.
Saímos por volta das 7h15, em direção ao centro da aldeia. Seguindo as setas, passamos na estrada que liga Covide à barragem de Vilarinho das Furnas, uma das minhas zonas preferidas do PNPG porque é o ponto de partida para uma das caminhadas que mais repeti na serra Amarela (subida até ao alto da Louriça). Vamos caminhando, passando pelo parque Cerdeira (um outro local interessante para dormir por estas bandas), até que finalmente entramos no estradão que dá acesso à Mata de Albergaria. Inicialmente as indicações são um pouco confusas, pois a seta dos marcos da Geira (de aço corten) aponta para um carreiro que desce e segue mais junto à barragem, mas nos sinais de trânsito no início do estradão vi setas amarelas do Caminho.
Decidi seguir as setas amarelas, pois suspeitei que o trilho da Geira possa ainda estar submerso à custa do nível elevado que a barragem ainda tem. De qualquer forma penso que o trilho da Geira é transitável, ainda que desça bastante para voltar a subir depois um pouco mais à frente.
Dizem que esta etapa é a mais bonita do Caminho da Geira e Arrieiros. Verdade seja dita, quando temos o privilégio de atravessar a Mata de Albergaria, é difícil não ficarmos impressionados com a beleza da mesma. Eu confesso que não senti o efeito «wow», mas apenas porque já por aqui caminhei várias vezes e a paisagem já não me é estranha. O facto de residir tão perto do PNPG habituou-me mal .
Os primeiros quilómetros são mesmo de estradão puro e duro onde até veículos automóveis podem circular, com algumas restrições.
Somente quando alcançamos a Ponte rio Maceira, caminhados 6 quilómetros no estradão, é que o cenário muda de figura, mas ainda para melhor. Agora caminhamos por um carreiro que serpenteia por dentro do coração da mata. Depressa alcançamos uma ponte que é um miradouro perfeito para uma maravilha natural, uma imponente cascata no rio Homem.
Seguimos pelo trilho até atravessar uma pitoresca ponte sobre o rio Homem (ponte de São Miguel), para começar aqui uma subida técnica que acompanha o rio Homem, desviando-se ligeiramente para oeste, e que nos levará até à Portela do Homem.
Estamos finalmente em Espanha, onde nos despedimos por um dia de Portugal (havemos de voltar a Portugal na etapa de amanhã).
Algumas centenas de metros mais abaixo, já no trilho da Geira, encontramos o Peter numa espécie de deja vu de ontem: sentado numa pedra a comer uma maçã. Uma breve troca de cumprimentos e seguimos viagem.
Aqui acontece o primeiro deslize: ia tão distraído que segui pelo caminho abaixo sem prestar muita atenção à sinalização. Este caminho é o que costumo usar em sentido oposto numa grande caminhada que faço na serra do Gerês quando quero visitar as Minas de Carris seguidas das Minas das Sombras. Quando chego à estrada QR-312 e verifico o GPS percebo que estamos fora de rota há talvez uns 200 metros. Voltamos para trás até encontrarmos uma seta da Geira que obriga a uma curva de quase 180 graus para seguir o caminho correto.
O Peter já nos tinha entretanto passado a perna e passámos por ele novamente. Em jeito de brincadeira pergunta-me se o meu nome é Norberto, pois recorda-se das fotos que o José Almeida (presidente da junta da união de freguesias que inclui Caldelas) publicou recentemente.
O trilho começa gradualmente a ficar mais exposto ao sol. Ainda é cedo, mas percebe-se que o dia vai ficar bem quente.
Vou encontrando várias ruínas romanas ao longo do trilho, mas creio que as mais interessantes do dia são mesmo uns antigos banhos romanos, com muita construção preservada, designados por Mansio Romana aquis originis.
Estou praticamente em Baños. As setas amarelas sugerem seguir pelo monte acima, mas com muito tempo de sobra decidi descer um pouco mais e visitar as famosas termas de água quente e experimentar a água quente da piscina de acesso livre. É por esta altura que o Francisco chega e se faz à água fria do rio, como tanto aprecia.
Chegou o momento de enfrentar o desafio final do dia. Faltam agora cerca de 6 quilómetros até Lobios, mas temos uma considerável subida de 4 quilómetros para fazer até descer finalmente para Lobios. Esta secção segue por onde já temos vindo a caminhar há algum tempo, uma parte da grande rota «Camino Natural Interior da Via Nova».
Depois de suar pelo trilho acima, já com o sol a aquecer bem e com pouca vegetação no trilho, comecei a descida. Lobios já está à vista, pelo que a motivação está em altas. Sigo a bom ritmo até alcançar as primeiras casas da vila e avistar o hotel Lusitano onde vou dormir hoje.
Lobios é uma pacata vila, bem fornecida de serviços básicos, incluindo supermercados. Dado que amanhã é domingo, a probabilidade de encontrar algum minimercado aberto nas pequenas povoações por onde vou passar é diminuta, e aparentemente em Castro Laboreiro também não há nada que me possa valer no domingo. Decidi por isso fazer umas compras para ter algo que morder durante as próximas duas etapas. Mais peso às costas, só para o corpo não se habituar mal
Para amanhã espera-nos uma etapa mais curta (21.5 quilómetros) mas seguramente mais difícil (850 metros de desnivel positivo vs os 500 metros de hoje). A ver se madrugo para aproveitar bem o fresco da manhã!

Etapa 4 (dia 4@Geira): Lobios – Castro Laboreiro
A etapa de hoje, quando comparada com outras etapas, tinha relativamente poucos quilómetros. Desde Lobios até Castro Laboreiro seria um pouco mais de 21 quilómetros, pelo que não havia grandes pressas.
De qualquer forma, para não perder o ritmo e aproveitar bem o tempo fresco da manhã, às 7h00 em ponto estava a sair do alojamento de hoje.
Tinha combinado com o Francisco, que pontualíssimo saiu exatamente à mesma hora.
Começamos por descer em direção à ponte sobre o rio Limia. Logo a seguir à ponte há uma ligeira confusão com as indicações, pois as setas parecem apontar para onde não há saída. Na realidade o trilho segue pelo monte acima mesmo por trás da bomba de combustível.
Aqui encontramos a primeira subida do dia, 100 metros em dois quilómetros, no também primeiro trilho de terra. A subida leva-nos até a uma aldeia chamada A Feira Vella, onde voltamos ao alcatrão para não mais o largar até chegar a Entrimo (vá, há um carreiro ou outro do género de atalho lá pelo meio).
Um pouco depois de Entrimo é que esta etapa se torna interessante. Abandonei a estrada para começar a subir a Corga do Mengán. Lá pelo meio da zona de floresta passei por um ou outro aglomerado de casas, mas esta parte do percurso é feita essencialmente à sombra.
A ponte do Folón sobre o rio Agro (uma pequena ponte feita de blocos compridos de granito dispostos na horizontal) permite observar a corrente do rio que torna a envolvente ainda mais bonita.
Começa agora a segunda subida (digna desse nome) do dia. Vamos dos 460 metros até aos 780 metros em cerca de 3.5 quilómetros, onde me esperam vários quilómetros num planalto descrito por muitos por «paisagem lunar». Aqui o carreiro deu lugar a um amplo estradão onde a vegetação é mais rasteira (imensa urze, há dois meses isto estaria pintado de rosa por todo o lado), em que o horizonte está todo ladeado a quase 360 graus por montanha.
O estradão segue até à fronteira com Portugal, na Ameixoeira ou Ameijoeira, não estou certo do nome em Português). À minha direita vê-se um edificio que corresponde ao antigo posto fronteiriço da guardia civil, mas o Caminho segue por um carreiro que desce para o bosque.
Umas centenas mais à frente alcanço a capela do Senhor da Boa Morte, anunciando já terras lusas. Ainda ponderei parar ali para uma pequena pausa para comer, mas há algo que me diz para seguir. E assim foi, continuo pela direita da capela e uns 800 metros mais adiante percebo a voz interior que me fez decidir não parar na capela: tenho à minha frente uma grande piscina natural, belíssima, em pleno rio Laboreiro, que se não fosse a água gelada teria convidado a um belo mergulho.
O Francisco estava a meio da ponte metálica sobre o rio, como que em reflexão se deveria ou não fazer-se à água. Creio que a temperatura não está nem ao nível do que o Francisco considera razoável, habituado às águas geladas do mar no norte do país .
O Francisco seguiu viagem e eu parei uns 10 minutos para agora sim comer a minha peça de fruta e apreciar a envolvente. Esta zona será provavelmente palco de uma das próximas caminhadas que tenho organizado com amigos, pelo que o regresso a este pequeno paraíso estará para breve.
Continuo trilho acima, cruzando-me uma vez ou outra com água e sempre num belíssimo carreiro que contribui para a espetacularidade da etapa de hoje.
Alcancei finalmente a ponte da Cava da Velha. Já por aqui tinha andado há mais de 9 anos, quando decidi desafiar um amigo a atravessar o PNPG em autonomia total desde Castro Laboreiro até Cabril. A ponte é inconfundível, mas tenho a ideia que o trilho que acabei de subir também fez parte dessa aventura. Algo para esclarecer quando regressar a casa .
Não atravesso a ponte, para meu desapontamento, uma vez que as setas amarelas pedem para seguir em frente. Poucos metros depois já estou em alcatrão, na M160, e apesar de a indicação da GR50 em direção a Castro Laboreiro seja tentadora por decerto não incluir estrada, a distância superior e também a máxima de «Caminho é Caminho», que significa que tento sempre seguir de forma o mais fiel possível as indicações do Caminho, sigo pela M160.
Os últimos 1.5 quilómetros guarda uma surpresa para os peregrinos. Temos aqui uma valente subida até Castro Laboreiro que em dias de maior calor deve abafar qualquer um. Valeu o facto de ter chegado aqui bastante cedo (pouco passava das 11h), pelo que o sol ainda não fazia de mim um belo grelhado.
Estou finalmente em Castro Laboreiro. A estadia é pelo hotel Castrum Villae, por nenhuma razão em particular para além de ter sido aqui que fiquei em 2015 (para iniciar a tal aventura). Por aqui também está o grupo da República Checa, que muito me tem espantado por resistirem à dureza deste trilho, mesmo despachando diariamente as mochilas.
O jantar será no hotel Mira Castro, um dos hotéis recomendados para quem faz o Caminho da Geira e Arrieiros e que parece ter uma cozinha regional irrepreensível. Daqui a pouco vou confirmar isso .
Fica ainda por explorar o trilho até ao castelo, que deixarei para a caminhada que organizarei por estas bandas. Para já ainda tenho muitos quilómetros pela frente e há que poupar as pernas.
Amanhã voltarei a Espanha para lá ficar em definitivo até Santiago. O destino é Cortegada, numa etapa em que não são as subidas que reinam (ainda que conte com um desnível positivo de cerca de 480 metros), mas sim as descidas (1200 metros de desnivel negativo). Os joelhos já doem só de ver o número!
Etapa 5 (dia 5 @Geira): Castro Laboreiro – Cortegada
O despertar de hoje foi às 6h00, um pouco antes do que tinha programado no despertador. Afinal de contas a «box» do pequeno almoço só seria disponibilizada às 7h00, pelo que não havia grande pressa para começar o dia.
Recolhi o saco com uma pequena seleção de itens, que aproveitei para comer ainda no hotel, na varanda do quarto, enquanto admirava a paisagem.
No exterior do hotel o grupo de peregrinos checos começava a mobilizar-se. O percurso da etapa de hoje passa mesmo ao lado do hotel, partilhando o início do seu percurso com a nossa GR50 (que na realidade tem coincidido com o Caminho em diversos locais).
Saí por volta das 7h15, quando por ali passavam outros caminheiros mais dedicados a uma PR.
Assim que passo pelo último edifício de Castro Laboreiro, passo a caminhar num estradão. Um marco cheio de indicações de percursos de caminhada marca também o desvio para a direita para continuar o Caminho.
É aqui que começo a ver os primeiros peregrinos do grupo checo, que tinham aproveitado um cruzeiro para comerem o pequeno almoço.
Abandono o estradão para seguir por um carreiro com uma inclinação acentuada, que me leva a passar a ponte das Veigas. Quem preferir seguir pelo conforto do estradão pode fazê-lo, dado que se unem novamente mais à frente.
Umas centenas de metros mais adiante está a zona de lazer das Veigas. Tudo aparenta estar fechado, pelo que não sei se o usufruto deste equipamento é a pedido ou se está restrito a alturas específicas do ano.
Aqui começa a primeira parte interessante da etapa de hoje. Sigo por um carreiro relativamente técnico, com piso claramente martirizado pela água que por ali corre no inverno. Por aqui está também a guia do grupo checo, que tenta gerir da melhor forma o ritmo muito díspar do grupo.
É por aqui que me encontro com o Francisco e com uma peregrina do grupo checo. Durante o dia de hoje estes encontros foram muito frequentes, dado que temos todos um ritmo de caminhada muito similar.
Passada a aldeia da Portelinha, novo trilho técnico onde ainda há alguma lama destas últimas chuvadas e a água corre pelo trilho abaixo.
É no final deste carreiro que deixo Portugal para trás. A Azoreira é a primeira povoação a denunciar o espaço galego, pois não dei conta de nenhum marco fronteiriço na linha de fronteira.
Chega agora o momento de deixar também para trás os caminhos de terra. Daqui para a frente, salvo uma ou outra excepção, a grossa maioria do percurso é feita por asfalto. Ainda que a vista para o vale seja bonita, que é ainda mais embelezada com um espesso nevoeiro que atravessaremos mais tarde, a quantidade absurda de estrada que esta etapa tem contrasta imenso com o que têm sido as últimas etapas.
É também aqui que começamos a perceber a confusão que há com o Camiño Ribeiro Minhoto e Caminho da Geira e Arrieiros. As únicas indicações identificadas são do CMR, mas encontrei em mais do que uma ocasião setas ambíguas que tudo indica que se trata de tentativas de sabotagem do CGA. Nem os locais percebem estas guerrilhas, que acabam por prejudicar mais do que ajudar.
Num dos pontos vemos setas CMR a seguir para a direita e outras setas amarelas a indicar para a esquerda, no que me parece ir ter a uma aldeia chamada Lapela, numa volta substancial (em particular em desce e sobe).
Segui por imensos quilómetros por alcatrão até chegar a Monterredondo. Vejo logo ali umas mesas de pedra, que me pareceram lugar adequado para comer uma peça de fruta.
No final desta localidade está outra grande ratoeira: as setas indicam em frente pelo alcatrão, mas o track manda virar à esquerda por um caminho de terra. Prestem mesmo muita atenção, pois se não seguirem o track vão perder um dos pontos altos (literalmente) do dia, a Capela de São Miguel com umas vistas panorâmicas espetaculares.
O trilho começa por subir de forma impiedosa, mas é na descida um pouco antes da capela que tive a recompensa: um cervideo a atravessar o trilho a umas dezenas de omde eu estava.
As poucas ocasiões em que nos cruzamos com obra edificada, é por norma complexos industriais como é o caso de um complexo perto de Trado.
Mais alcatrão e agora uma longa ponte sobre o rio Deva (afluente do rio Minho que também se vê aqui ao longe).
Entre caminhos e alcatrão, lá me vou aproximando de Cortegada, onde acabei por chegar por volta das 15h locais.
Por azar (ou sorte), houve um problema no quarto onde eu era suposto ficar, na casa do Conde (alojamento rural de eleição) . Com a casa cheia com os peregrinos checos, não havia alternativa para os proprietários que não passe por alojarem-me num outro edifício. Ora sucede que para além de ter um quarto gigantesco só para mim, tenho também à minha disposição uma bela piscina. Para mais a casa tem neste momento apenas outros dois hóspedes, que são trabalhadores e portanto ausentes no momento em que lá cheguei.
Escusado será dizer que usufruí de tudo a que tinha direito e daí a hora de publicação deste resumo
O jantar de hoje foi também uma aventura. A maioria dos peregrinos checos não fala sequer inglês, e os proprietários do bar onde comemos não parecem falar outra língua que não o castellano. O problema fica rapidamente resolvido comigo a traduzir de castellano para inglês e uma peregrina Checa a traduzir de inglês para checo.
Para amanhã tenho cerca de 33 quilómetros até Pazos de Arenteiro. Em Beran irei ultrapassar a barreira dos 100 quilómetros que faltam para Santiago, onde na realidade fui convidado a ficar com a ajuda de um Amigo do Caminho que por ali vive.
Podia ficar em em Beran, mas o esforço extra desta etapa vai compensar no dia seguinte, encurtando bastante a distância.
Etapa 6: Cortegada – Pazos de Arenteiro
A noite de hoje foi curta. Como alguns devem ter percebido pela hora a que publiquei a crónica de ontem, a hora de descanso já foi próximo da 1h da madrugada. Já a alvorada foi às 6h00, pois para além de ter uma etapa muito longa pela frente (creio que é a mais longa que planeei dentro das etapas do Caminho da Geira e Arrieiros), para hoje os meus planos contemplavam um pequeno almoço de quentes.
Como deixei praticamente tudo arrumado na mochila, não foi preciso muito tempo até estar de volta dos tachos. O menu de hoje incluiu ovos mexidos e salada de tomate .
Saí de casa por volta das 7h08. Tinha a opção de seguir por um atalho que apanharia o Caminho perto da casa onde dormi, mas isso excluiria uma parte da etapa de hoje que fazia questão de percorrer. Decidi por isso descer até ao centro de Cortegada e apanhar o Caminho onde o deixei ontem. No final acabei por somar mais 1.4 quilómetros à etapa de hoje.
Depois de Cortegada passei numa aldeia com um nome muito sui generis (Rabiño) e de certo modo adequado ao que se passa ali com as marcações do Caminho. Sucede que um pouco antes desta aldeia as marcações do Caminho Minhoto Ribeiro levam-nos por estrada, enquanto que o Caminho da Geira e Arrieiros leva-nos por um agradável trilho que desce até um ribeiro. Ora nos vários postes da aldeia, onde outrora estavam setas amarelas a indicar o Caminho da Geira e Arrieiros, estão agora pinturas acinzentadas que são claras tentativas de ocultar as setas.
À saída de Rabiño outra dificuldade de navegação: o Caminho Minhoto Ribeiro segue pela estrada, enquanto que o Caminho da Geira é suposto subir por monte por caminhos paralelos à OU-402, à qual me juntarei mais tarde após uma íngreme descida até Merens. Não vi indicações para o caminho, mas o GPS ajudou quando era preciso.
A chegada a Merens é espetacular. Temos uma vista panorâmica com a montanha ao fundo que é deslumbrante.
Continuei a descida pela povoação até voltar à estrada que tinha deixado há um bocado. Novamente ponto de ambiguidade: o CMR segue pelo alcatrão enquanto que o CGA convida a descer por um caminho alcatroado que segue junto ao rio Minho.
Daqui ate Ribadavia são cerca de 10 quilómetros por esse caminho alcatroado. Para além de ser um percurso muito fácil de fazer fisicamente, estamos pouco acima do nível da água do rio Minho, o que permite observar o espelho de água belíssimo.
Ribadavia é uma localidade muito pitoresca que merece seguramente uma visita mais detalhada. Por aqui passa o rio Avia, afluente do Minho, e que como em qualquer outra cidade com um rio digno desse nome torna a cidade ainda mais bonita, dado que a margem direita do rio está toda arranjada.
Um pouco antes do centro, há que atravessar uma malha florestal. Novamente o GPS revela-se uma ajuda essencial, dado que só por aí consegui saber por onde tinha de seguir.
Por esta altura já tinha quase 16 quilómetros feitos. Vim com um ritmo bastante certo para aproveitar bem todo o percurso plano, pois numa etapa de 35 quilómetros onde há umas quantas subidas para tentar fazer sem ter de caminhar sob um sol intenso, obriga ou a madrugar muito (coisa que não dá para fazer muito mais sob pena de ter de caminhar no escuro), ou a acelerar o passo onde for possível.
Decidi por isso parar junto à uma igreja para descansar um pouco e comer um lanche rápido. Sem querer parei mesmo ao lado da igreja de Santiago, muito apropriado dadas as circunstâncias.
Daqui até Beran tenho agora uma subida tendencialmente contínua para fazer. Mesmo sendo cedo, o calor já se faz sentir, mas vou subindo a par e passo sem dificuldades de maior.
Beran marca os 100 quilómetros para Santiago. Imagino que no futuro seja um ponto de interesse para os peregrinos que não têm muitos dias para fazer um Caminho, tanto que há já trabalho a ser feito para termos ali um albergue de Peregrinos que renascerá das «cinzas» da umas ruinas que estão a ser reconstruídas.
Termina também assim a segunda grande subida do dia. Andarei ainda alguns quilómetros em floresta num trilho relativamente plano, até passar pela pedreira onde logo que chego à estrada desço em direção a Lebosende. Nesta descida há também alguma confusão nas indicações, pois logo a seguir à placa com o nome da localidade há umas setas recentes que indicam o Caminho pela esquerda. Ainda segui por aí na expectativa de ser um percurso mais recente, mas sem saber ao certo se chegaria à igreja de São Miguel de Lebosende, acabei por voltar para trás.
Faltam agora os quilómetros finais. A etapa de hoje é, dum modo geral, extremamente bonita, mas este final junta um ou dois pormenores de requinte. Para já a floresta é lindíssima e a uns 2 ou 3 quilómetros de Pazos de Arenteiro encontramos uma aldeia ancestral abandonada, a aldeia de Viñoa.
Antes dessa aldeia há também um ponto deveras curioso, uma velha casa habitada por um eremita, poeta, que lá vive há 10 anos.
Em conversa com o Ramiro (sono do alojamento rural), percebi que esteve ocupada noutros tempos por uma ordem semelhante aos Templários e que se dedicavam à produção de vinho e posterior transporte para Santiago de Compostela para distribuição.
Passada a aldeia, pouco resta até ao destino de hoje. O percurso dentro da floresta termina virando à esquerda onde estão uns degraus de pedra que ajudam a descer o desnível acentuado. Uns metros mais adiante saí da floresta para atravessar OU-414, atravessando logo de seguida uma ponte sobre o rio Avia.
Já estou em Pazos de Arenteiro. O local onde pernoito hoje é uma casa rural chamada «Aldea Rural Pazos de Arenteiro». Foi fácil perceber porque é que é «aldea» e não «casa», pois o alojamento é composto por diversas casas de uma zona da aldeia que o proprietário tem vindo a reconstruir aos poucos para criar este espaço.
Alguns dos peregrinos checos já por aqui estavam, pois o Caminho da Geira e Arrieiros tem sido duro para eles e hoje a etapa foi feita ou parcialmente (desde Ribadavia) ou totalmente de táxi. Não sei como irá correr amanhã, mas sabendo que é a etapa mais difícil deste Caminho, mesmo com a distância mais reduzida (cerca de 19 quilómetros), suspeito que vão abafar pelo caminho
Passado algum tempo o Ramiro surge para me levar até ao meu quarto, que fica num outro edifício. Como disse acima, o alojamento é composto por várias casas e para chegar até à minha temos de passar por algumas ruínas, que é um pouco estranho ao princípio.
Sucede que hoje havia também um problema com o meu quarto, que o Ramiro não se tinha apercebido. Depois de tentar perceber se haveria mais algum quarto disponível ele respondeu afirmativamente, mas com o «senão» de que era nada mais nada menos do que uma suite
Contas feitas, pelo mesmo valor que havia acordado para o quarto inicial ele disponibilizou-me aquele que provavelmente é o quarto mais pitoresco do alojamento, claramente muito acima do que eu preciso para uma noite de descanso, mas que não deixa de ser uma experiência ímpar.
O Ramiro é uma pessoa muito descontraída para quem está tudo bem, sempre nas calmas, e a forma como resolveu este tema foi um reflexo dessa postura. Da minha parte só lhe tenho a agradecer, bem como ao Caminho que tem providenciado mais do que eu esperaria já em mais do que uma ocasião.
Tivemos finalmente a nossa primeira ceia comunitária. Eu, o Francisco e o grupo de Peregrinos checos reunimo-nos na sala de refeições para um manjar delicioso que teve de tudo. O Ramiro foi o cozinheiro de serviço, que comentou que apenas abre a cozinha para peregrinos.
Boa comida, boa bebida, e uma conversa de serão com alguns checos com a ajuda de uma das peregrinas que consegue falar inglês, e está o espírito de comunhão do Caminho presente. Não contava encontrar isso neste Caminho, mas mais cedo ou mais tarde a velha máxima de «podes começar sozinho, mas nunca estarás sozinho no Caminho» acaba sempre por se verificar.
Uma pequena nota de aviso: o sinal de rede móvel por aqui é muito fraco. Há uma rede Wi-Fi na sala de refeições, mas na casa onde fiquei as paredes espessas impedem até por vezes a passagem de sinal da rede móvel, pelo que preparem-se para estarem eventualmente incontactáveis momentaneamente.
Etapa 7 (dia 7@Geira): Pazos de Arenteiro – Beariz
Com este dia completo uma semana de Caminho. Ainda falta mais uma semana e um dia para terminar o meu Caminho, o que significa que amanhã estarei a meio (em número de dias).
Tinha planeado começar cedo, mas com o tempo cada vez mais curto para a escrita, voltei a deitar-me tarde ontem à noite. Embora tenha acordado por volta das 6h00, estive a terminar a escrita da crónica de ontem e a produção do vídeo, pelo que acabei por ir buscar a minha parte da box do pequeno almoço que tinha ficado no quarto do Francisco e descansei um pouco mais.
Eram cerca de 8h10 quando iniciei a etapa de hoje. Segui até à primeira casa que tinha visto da Aldea Rural e continuei por uma rua que começa logo a subir.
A subida é curta e rapidamente dá lugar a uma estrada que desce até Salón. É aqui que começa a «festa», logo com uma forte subida à direita por um caminho estreito que está pavimentado com betão.
Esse betão acaba por dar lugar a um trilho de terra, onde lá pelo meio está um banco de automóvel perdido. Deduzo que não esteja ali por mais motivo algum que não seja pela oportunidade de fazer umas palhaçadas em frente a uma câmara, pelo que assim fiz
Um pouco antes da aldeia de Iglesario o caminho volta a ser pavimentado com betão, que depressa passa a uma estrada de alcatrão que serpenteia por entre as casas da aldeia. Curiosamente muitas das casas por aqui têm muita pinta, pelo que embora remota, percebe-se que há por esta zona muitas habitações um pouco fora do que é normal ver por estas bandas.
Ponto a reter: enquanto subimos a estrada sinuosa ainda dentro da aldeia, o Caminho Minhoto Ribeiro e o nosso Caminho da Geira e Arrieiros divergem substancialmente. A sinalética aponta em frente pela estrada, dando a entender que deverá ir até O Regueiro para depois mais tarde se juntar novamente ao CGA. O CGA continua pela direita, sempre a subir.
A primeira grande subida está praticamente feita quando estão cumpridos cerca de 5.5 quilómetros. Estou agora em Paredes (não sei se o nome foi propositado por causa da orografia da zona, mas bate certo), onde está uma pequena capela e uns 3 ou 4 bancos de jardim perfeitos para quem quiser recuperar da subida.
Continuei pela rua durante mais uns 15 minutos até chegar à estrada OUR-CV-305. Sigo por essa estrada até alcançar a periferia da aldeia de Vilacha. Outra nota de sinalização: a placa do Caminho Minhoto Ribeiro aponta para a direita, para provavelmente passar bem pelo meio da aldeia. Eu segui em frente pela estrada onde estava, seguindo as marcações do CGA.
Logo a seguir a um parque infantil é altura de abandonar a estrada por um pequeno atalho de terra que vai ter a uma estrada secundária alcatroada. Bastará caminhar uns 70 ou 80 metros até seguir pela esquerda por um caminho de terra.
Convém agora ir com atenção, pois surgirá um outro caminho à esquerda, cheio de erva por esta altura do ano, para o qual é preciso virar.
Depois de algumas voltas pela floresta, voltei à estrada principal que tinha abandonado há pouco tempo. A tendência desde que entrei na estrada principal logo a seguir a Paredes é de descer, mas isso depressa termina assim que cheguei a Feas.
Esta é a primeira povoação onde podem eventualmente tomar um café. Assim que chegam à estrada nacional OU-0415 podem virar à direita em vez de seguirem em frente. Lá ao fundo está um antigo bar, que de momento não está aberto, mas costuma estar por lá a proprietária que oferece café e alguns doces a titulo de donativo para quem quiser.
Feas marca o início da segunda grande subida do dia. Há que subir dos 500 metros até aos 900 metros em 4 quilómetros. A subida está, de certo modo, dividida em duas partes, já que passados cerca de 2 quilómetros após Feas a inclinação acalma um pouco. Os mais enérgicos podem fazer um desvio à direita para visitarem um miradouro com uma vista panorâmica sobre o vale onde Feas está, bem lá do cimo do monte. Eu fiz este desvio e se se sentirem em forma, vale a pena. Além do mais depois não há necessidade de voltar ao ponto onde divergiram, podem seguir pelo caminho de terra que ele volta a juntar-se com a estrada.
A pendente volta a ser mais intensa. Há que continuar a subir a estrada até praticamente ao ponto mais alto do dia (803 metros), onde deixamos a estrada de alcatrão virando para um estradão de terra que segue pela esquerda. Novamente, aqui há uma bifurcação de percursos, pois o Caminho Minhoto Ribeiro segue pela estrada.
Agora restam cerca de 5.5 quilómetros até ao destino do dia. Nada mais há a fazer senão ir descendo gradualmente pelo estradão seguindo as marcações mais do que claras.
Lá ao fundo já se avistam duas povoações distintas, Magros e Beariz, pelo que o final está próximo.
Um pouco antes da aldeia de Magros o Caminho segue por um trilho de bosque muito bonito. A mistura da vegetação verdejante e da água que se faz ouvir é muito agradável.
Já em Magros há uma bifurcação de ruas onde não vi sinalização. Temos de seguir pela esquerda, o que faz sentido tendo em conta para onde nos queremos dirigir.
Cheguei finalmente a Beariz. Por aqui vive-se muito o Caminho e logo na entrada da povoação está uma estátua alusiva ao Caminho.
Devo dizer que pensei que a etapa ia ser muito mais dura do que na realidade foi. O facto de ter começado em Pazos de Arenteiro fez muita diferença, pelo que apesar de ser uma opção dispendiosa (pelo custo do alojamento e alimentação na aldeia rural), compensa na gestão de esforço.
Segui as marcações até chegar próximo do centro de saúde. Mais lá à frente na rua está o albergue onde vou pernoitar hoje. O sítio é distinto de tudo o que encontrei até agora, pois está numa antiga casa de xisto agora reconstruída onde o antigo curral contempla o duche, o WC e uma zona de estendal de roupa, e o piso de cima a zona do quarto com 6 camas divididas em 3 beliches e uma zona de cozinha. É um ambiente muito humilde mas que remonta àquilo que um peregrino espera encontrar.
Este albergue é iniciativa do José Balboa Rodríguez, escritor, filósofo e Cavaleiro da Ordem de Santiago (de acordo com o registo biográfico), mas que em outros tempos se dedicou às grandes obras de construção civil (fez parte de uma das equipas que trabalhou na construção da Expo 98) e também na suinicultura (o porco celta, uma espécie em vias de extinção). Sei isto (e muito mais) porque tivemos a honra de conhecer e ouvir as histórias que o José gosta de partilhar com quem por aqui passa (eu, o Francisco e mais alguns peregrinos checos que se juntaram para participar na tertúlia).
Estivemos à conversa até quase às 19h00, a hora de jantar. A ter em conta que por aqui não há nenhum local onde jantar, pelo menos no dia em que aqui estou. Há um bar que serve uns «pinchos» com as bebidas, mas nada mais do que isso, e o único restaurante da zona (Mexicano de Beariz) só abre aos fins de semana.
Por sorte o grupo de checos está alojado na A Casa da Ana, onde a pedido fazem comida caseira a titulo privado no espaço que era antigamente um café cá da aldeia. Eu e o Francisco juntamo-nos à comitiva para aproveitar a «boleia», caso contrário hoje teria sido um jantar à base de conservas (há uma mercearia pequena que faz parte do talho da aldeia).
No final ainda houve direito a um pequeno brinde alusivo ao Caminho da Geira, que os checos adoraram.
Depois do jantar fomos até ao único bar existente e por lá estava um senhor que depressa meteu conversa. Percebemos que era o presidente da câmara cá do sítio. Eis que ele entretanto contacta o José Balboa, que se junta rapidamente à «festa». Os momentos que se seguiram foram interessantes, com o José e o presidente da câmara a distribuírem mais brindes por todos os peregrinos.
Curiosamente hoje era também o dia de aniversário do presidente da câmara, que celebra 66 anos. A pedido do José Balboa os peregrinos checos cantaram os parabéns na sua língua materna . Posso adiantar que a melodia é exatamente a mesma, mas da letra não posso dizer nada
Daí a uns minutos o presidente da câmara, que já tinha saído para ir jantar com a família, regressou apetrechado com uma revista (uma espécie de livro) que editam com regularidade e ofereceu um exemplar a cada peregrino.
Vamos por isso com a mochila, bem como a alma, mais cheia.
O serão terminou cedo. Amanhã temos novamente uma etapa longa (33 quilómetros), que creio que será mais difícil de gerir do que a de há dois dias, pois ao contrário dessa a etapa de amanhã não tem nenhuma extensão plana (ou sobe ou desce). Vai ser um dia bem preenchido por isso!

Etapa 8 (dia 8@Geira): Beariz – Codeseda
A alvorada de hoje foi à hora do costume. Às 6h da manhã estava já desperto, mas a preguiça manteve-me pela cama mais um pouco.
Dia especial este e que já vai sendo tradição comemorar no Caminho, dado que costumo estar por «cá» nesta altura: 6 de Junho é dia de São Norberto!
Apesar de ter conseguido ir descansar um pouco mais cedo do que tem sido habitual, demorei algum tempo para pregar olho. O albergue tem um telhado provisório de telha-vã, que deixa passar tudo o que é ruído vindo de cima. Eu passei um tempo a ouvir o ruído típico de um animal a vaguear por cima do meu beliche, e até achei que poderia ser um roedor dentro do albergue.
Não cheguei a perceber ao certo o que seria, mas dentro do edifício não era. Desconfio que seria algum gato a caminhar por cima do telhado, à procura de calor que emanasse de dentro da casa.
O Francisco saiu uns 20 minutos antes de mim. Eu quis tomar um belo pequeno almoço antes de meter fazer à segunda mais longa etapa do Caminho da Geira, pelo que levei o meu tempo até sair por volta das 7h20.
Pouco depois de sair da povoação e de atravessar a estrada nacional está um grande cartaz que dá nota de duas rotas possíveis a partir dali,uma por Barcia (que creio que é a principal) e outra por Albite (mais longa 1.7km). Optei pela primeira, até porque é a que consta do meu track GPS.
Pouco depois do cruzamento há que virar à direita por um caminho largo, com bastante vegetação verde.
Embora sempre a subir, os primeiros 3 quilómetros não são difíceis de atacar. Aliás, por essa altura o terreno até é relativamente plano, pelo que o fresco da manhã junto com isso permitem avançar a bom ritmo.
Até ver as marcações têm sido exemplares, muito embora por volta dos 4 quilómetros há uma discrepância entre o track GPS e a marcação no terreno, junto a uma espécie de bebedouro para animais. O track sobe à direita por um outro caminho, enquanto que as marcações seguem pelo estradão, curvando à esquerda. Decidi seguir pela esquerda, pela sinalização, pelo menos até onde o trajeto não divergisse muito do track.
Na verdade pouco depois a sinalização vira à direita e rapidamente estou de novo sobre o track.
Eram cerca de 8h25 quando apanhei o grupo de peregrinos checos, que tinham acabado de parar para uma pausa. Depois de um breve cumprimento segui viagem, sempre em frente. Na verdade deveria ter virado à esquerda para seguir por um caminho paralelo àquele em que eu caminhava. Ainda voltei atrás uns metros, mas a Katya (guía do grupo checo) confirmou que poderia seguir por ali, que havia setas.
Aos 7.5 quilómetros cheguei à primeira povoação do dia, Pardesoa. Tenho agora pela frente vários quilómetros por estrada, até alcançar Soutelo de Montes. É nesta localidade que encontro o Francisco e dois peregrinos checos que têm mais pedalada, a Iveta e o Erik.
Daqui para a frente caminhámos em grupo durante bastantes quilómetros, até atravessarmos a ponte de Gomail (uma pequena ponte que data do século XV), mais ou menos a 12 quilómetros do destino de hoje. O percurso até lá é muito diversificado, entre alcatrão, estradão, e também muitos carreiros muito bonitos onde a água ainda corre e forma grandes zonas ou de riacho ou de lama que é preciso atacar com alguma cautela.
Depois da ponte de Gomail há uma subida de cerca de 3 quilómetros, interrompida momentaneamente por um ou outro ponto mais plano, até A Mámoa. O sol está forte e como me sinto muito bem nestas circunstâncias, decido impor o meu ritmo de caminhada, acabando por me afastar do grupo.
Cheguei a Codeseda por volta das 14h30. A casa onde vou ficar alojado ainda não estava disponível, pelo que fui até ao bar Caminho da Geira para uma Estrella de Galicia como recompensa pelo esforço do dia
O grupo de 3 chegaria cerca de 35 minutos mais tarde, enquanto que o resto do grupo de checos só umas horas depois.
Faltam agora dois dias para chegar a Santiago. O tempo tem estado, para mim, uma maravilha, mas a previsão aponta para chuva precisamente no sábado, dia em que chego a Santiago. Amanhã a meio da tarde também é provável que a chuva dê um ar de sua graça, por isso o plano para amanhã é sair cedo (mas já com luz do dia) para evitar ser apanhado por alguma tempestade. Parece que o peso do material impermeável sempre vai servir para alguma coisa!
Etapa 9 (dia 9@Geira): Codeseda – Pontevea
Os ponteiros do relógio avançam a passos largos e com eles já lá vão 8 dias passados. Hoje é o dia 9 no Caminho da Geira e já se sente um pouco aquele arrepio, quase de angústia, no estômago por saber que esta aventura (ou pelo menos a primeira parte) está prestes a terminar.
O plano era tomar um bom pequeno almoço e sair cedo. Às 6h00 já estava acordado e a dar os primeiros passos fora da Casa do Palomar por volta das 7h00.
O grupo principal dos peregrinos checos reuniu-se junto a um bar que estava prestes a abrir. Caminhei mais um pouco e logo à frente, ainda antes de sair da povoação, ia o Francisco, a Iveta e o Erik.
O Erik já tinha dito, um pouco em jeito de brincadeira, que gostaria de conseguir chegar ao destino pelo menos uma vez antes de mim . Não se trata obviamente de uma competição, o Erik é que gosta de se superar fisicamente e daí a sua intenção. Por essa razão hoje geri todo o meu percurso para lhe dar a dianteira do grupo e deixá-lo marcar o ritmo que, em boa verdade, não é muito longe do meu.
A etapa de hoje tinha cerca de 25 – 26 quilómetros e o desnível não apresentava nenhuma dificuldade de maior. O percurso vai tendencialmente descendo, com uns sobe e desce lá pelo meio para não facilitar demasiado . Não havia, por isso, grande pressa até porque o albergue onde fico hoje só estaria disponível a partir das 14h00, e por isso acabámos por fazer os 4 a etapa juntos, com alguma dispersão do grupo aqui e ali.
A etapa não tem propriamente nenhuma caraterística digna de especial destaque. Há uma prevalência de piso alcatroado que a esta distância de Santiago acaba por ser normal, pois as zonas mais rurais e remotas estão para trás. Contudo, os carreiros de bosque e os estradões a céu aberto também fazem parte desta etapa, pelo que acaba por ter um pouco de tudo.
Umas breves notas para A Estrada. Esta é talvez a maior cidade pela qual passamos no Caminho da Geira e Arrieiros. Segundo o amigo mítico peregrino Álvaro Lazaga, o trajeto passa em cheio pelo meio de um bar, mas confesso que não encontrei . Se é de facto assim, mais uma razão para voltar a fazer este Caminho no futuro.
A sinalização também não é propriamente abundante em A Estrada, o que contrasta com o que foi o resto da etapa. Convém, por isso, usar o track GPS como referência para sair da localidade.
Aos 15 quilómetros há uma decisão para tomar. O trajeto normal segue pela esquerda, pela estrada, mas há uma alternativa 800 metros mais longa pela direita que segue pelo bosque. Sem tempo contado e com pouca vontade de caminhar junto ao trânsito, a escolha foi óbvia e seguimos pela direita.
Nesta alternativa há que seguir o caminho principal com confiança. Algures lá no meio do trajeto há um carreiro à esquerda que parece mais natural para seguirmos porque o caminho principal parece afastar-se demasiado do trajeto. Contudo, seguindo o caminho principal não tardará muito a virarmos à esquerda como indica uma seta lá colocada.
Não conheço o percurso pela estrada, mas penso que é seguro dizer que os 800 metros extra valeram a pena.
Quase às portas de Pontevea, aos 23.5 quilómetros e onde está a fonte de Barco, as setas levam-nos para um pequeno ziguezague que antecede uma quinta. Aí deveríamos ter seguido o mais à esquerda possível, junto a umas ramadas, para contornar a quinta pela esquerda e ir dar à estrada. Contudo, o Erik levava a dianteira e sem querer acabamos a atravessar a quinta . Um senhor interpelou-nos mesmo à saída da quinta e referiu que de facto o caminho certo não está muito percetível à custa da erva alta.
Junto à ponte rodoviária que atravessa o rio Ulla a sinalização leva-nos para fora de estrada, pelo meio de imensa erva alta. Compreendo a razão dessa marcação, pois como vamos ter de atravessar a ponte rodoviária por baixo para evitar o trânsito e por também o mais prático seja manter-nos no lado direito da estrada (pela berma), por razões de segurança o caminho pelas ervas é preferível. No entanto sugiro que cada um avalie se vale mesmo a pena andar no meio de uma «selva», dar boleia a alguma bicharada, ou simplesmente seguir uns metros pela berma da estrada e virar à direita por um acesso ao carreiro (onde já não há erva alta) mesmo antes da ponte começar para passar por baixo dela.
Passamos entretanto por baixo da ponte medieval de Pontevea, onde está à nossa espera uma praia fluvial com um imenso espaço verde. Todos, à exceção de mim , estão desejosos de ir até à água. O Francisco é o primeiro a ficar em trajes menores e a saltar para a água, pois isto de água fria é algo que não o assiste. A corrente é bastante forte, pelo que o Francisco vinha pelo rio abaixo tal qual um torpedo até se agarrar a um tronco de uma árvore que pende sobre o rio para sair da água mais facilmente.
O tempo pedia uma cerveja fresca. Atravessamos a ponte medieval (apenas pedonal) e não fomos mais longe do que o bar Pontes para matar a sede.
Chegadas as 14h eu e o Francisco fomos ver das nossas acomodações. Íamos ficar no albergue rectoral de Couso, que fica cerca de 1.5 quilómetros antes de Pontevea, numa povoação a uns 400 metros à esquerda do Caminho. Contudo, aparentemente o albergue rectoral está em obras e o Pedro, responsável pelo albergue, acolheu-nos em sua casa, numas águas furtadas onde tem 4 camas disponíveis.
Os checos estão numa outra ponta da localidade, mas mesmo não havendo espaço comum, o jantar será em conjunto. No mesmo local onde matamos a sede, iremos também matar a fome com um jantar de grupo com todos os 14 elementos.
Amanhã é a reta final para Santiago. Serão cerca de 19 quilómetros num percurso também fácil, pelo vou tentar absorver tudo o que puder destes últimos quilómetros antes de entrar na Praça do Obradoiro pela 15ª vez.
Etapa 10 (dia 10@Geira): Pontevea – Santiago de Compostela
E pronto, chegou o dia que vinha a «adiar» há 10 dias. Esta é a última etapa do Caminho da Geira e Arrieiros, que encerra assim a primeira parte do meu Caminho.
Para hoje a rotina foi a do costume: alvorada às 6h00, pequeno almoço às 6h30 e sair às 7h00.
Não leva muito tempo até sair de Pontevea. Na verdade esta localidade não é propriamente pitoresca e tem pouco mais do que o que se vê da estrada que a atravessa.
Pelo caminho eu e o Francisco apanhamos o Erik e a Iveta. Esta é a última etapa e dado que temos feito as últimas 2 ou 3 etapas mais ou menos ao mesmo ritmo, e como não havia pressa para fazer os cerca de 19 quilómetros, decidimos chegar à Praça do Obradoiro em simultâneo.
Não foi preciso esperar muito para a chuva dar um ar de sua graça. Eram cerca de 7h30 quando finalmente tirei o poncho da mochila para passar à versão de «peregrino tenda»
O percurso de hoje é, sem grandes surpresas, essencialmente alcatrão, o atendendo ao facto de estar a chover não foi um propriamente um problema.
É aos 9 quilómetros que esta última etapa mostra também que o Caminho da Geira e Arrieiros nunca é um Caminho fácil. É aqui que começa a subida mais acentuada do dia, que sobe por um estradão de terra. A chuva não ajuda e o calor dentro do poncho também não, pelo que a subida é também de certo modo uma forma de sentir mais o espírito de peregrinação e desvalorizar o tempo que não colabora.
Em San Sadurniño, já com 10 quilómetros feitos, aproveitamos um bar para fazer uma pausa e evitar a chuva que tinha engrossado.
A verdade é que não demorou muito que, talvez por influência divina, que a chuva parasse e permitisse arrumar o poncho.
A cerca de 6 quilómetros já se consegue ver Santiago de Compostela, quando a neblina começa também a dissipar. Não passou mais do que 1 quilómetro e finalmente avistamos as torres da Catedral, quase ao alcance da mão.
Vamos descendo e descendo, sabendo que algures teremos de subir para alcançar a Catedral.
Sendo esta a primeira vez que faço este Caminho, a entrada em Santiago é novidade para mim. Por aqui as setas são praticamente inexistentes, pelo que o track GPS é essencial se quiserem garantir que seguem realmente o percurso do Caminho em vez de qualquer rua em direção à Praça do Obradoiro.
Uma surpresa interessante do percurso é a travessia do parque Eugénio Granell. Trata-se de um parque verde, extremamente bonito e frondoso, que faz esquecer um pouco a urbanidade da etapa de hoje. Novamente, o track é essencial para navegar também por aqui.
Começamos finalmente a subida final já pela zona urbana, onde a sinalização é agora bem visível. Depressa entramos na zona histórica e em poucos passos já conseguimos ver a lateral da catedral. A entrada na Praça do Obradoiro não é a que muitos conhecem pelo Caminho Francês, mas sim no extremo oposto da Catedral, por onde também entra o Caminho Português.
Finalmente piso a Praça do Obradoiro. Esta é a 15ª vez que aqui chego no final de uma peregrinação a Santiago. Não importa quantas vezes aqui venha, a emoção está literalmente à flor da pele quando observo aquela imensidão de gente e a magnificência da catedral. A pele de galinha não engana à medida que me aproximo do centro da praça.
Cheguei finalmente! Tempo agora de saudar os companheiros de jornada que dia após dia fui reencontrando no final de cada etapa, ou pelo meio dos inúmeros trilhos lindíssimos que tornam o Caminho da Geira e Arrieiros tão único.
A seu tempo será altura de fazer um balanço geral deste Caminho, mas tenho a certeza absoluta de que não foi a última vez que o fiz.
Para já ainda não é tempo de descanso, pois pela primeira vez terminarei o meu Caminho a caminhar até casa. Amanhã é novo dia e o Caminho da Geira dará lugar ao Caminho Central até Ponte de Lima e o Caminho de Torres até Braga. Por isso de por lá estiver algum peregrino que me tem acompanhado e avistar um peregrino em sentido oposto, digam olá!
